ENTREVISTA COM MESTRE JURANDIR REALIZADA NO DIA 15 / 09/ 2002.
Workshop no CCARJ, para alunos da Flor da Gente
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Flor de Gente: Mestre jurandir, já estamos gravando tá. o que agente gostaria saber é seu nome completo?
Mestre: Jurandir Francisco Nascimento.
F.G: Sua data de nascimento?
Mestre: 28 /12/61
F.G: Você é natural de onde?
Mestre: Rio de Janeiro
F.G: Seu endereço atual?
Mestre: Atualmente, Seatle EUA
F.G: O que te levou a praticar a capoeira? A capoeira Angola, naturalmente.
Mestre: Meu primeiro contato com a capoeira real, foi interesse já desde menino, de fazer um tipo de luta, né; e como na época agente falava mais em lutas marciais, e eu ficava doido quando via antigamente lá. Sou nascido e criado em Caxias, e lá tinha uma única academia chamada “Academia Líder”, e lá de vez em quando o pessoal fazia apresentação na rua , coisa e tal, a agente sempre assistia a apresentação e eu ficava doido para eu poder aprender. Eu estava bem voltado pra aprender qualquer tipo de luta porque naquela época a capoeira, realmente era muito mal vista, mal falada né! E quando a agente via, não via essas coisas na rua.
É... Um dia eu conheci uma pessoa, uma pessoa que morava perto do meu bairro e ele falou que treinava capoeira num campo que tinha lá, campo do SESI, em Caxias, e ele marcou comigo e eu fui lá na parte da manhã e de repente eu encontrei essa pessoa de nome Gabriel, e ele me mostrou os movimentos de capoeira, mas na verdade depois eu percebi que ele não dava aula de capoeira, ele era professor de Ginástica Olímpica, fazia muitos saltos, coisa e tal. Ele era militar na época, era atleta do corpo Militar de lá.
F.G: Então você começou a capoeira lá em caxias, com essa pessoa mesmo?
Mestre: Foi a primeira vez que eu vi Capoeira.
F.G: Mas você começou a praticar a capoeira mesmo como uma "arma", um esporte, quando?
Mestre: Eu, na verdade, comecei a aprender capoeira da forma que ela é jogada, que até aí, estou falando, que eu não tinha definição do que era capoeira Angola ou Regional, o que foi e o que era a capoeira. Eu comecei capoeira quando eu vi uma roda em Caxias (foi a primeira vez que joguei em Caxias), foi na festa de Santo Antônio, e daí eu percebi o que era a capoeira, e aí eu comecei a me encontrar com o Mestre Cobra-Mansa e a gente sempre estava procurando outros grupos, outras rodas e aulas de capoeira e começamos a frequentar a Quinta da Boa Vista, Flamengo, Central do Brasil, essas rodas que aconteciam em Nova Iguaçu, e daí começamos realmente a nos envolver com a capoeira, e como ela era né, jogada e cantada, mas não nessa forma mais conscientizada que é hoje a capoeira Angola.
F.G: Mas você chegou a praticar a capoeira com algum mestre de capoeira regional?
Mestre: Comecei, eu realmente depois desse processo, aí eu e Mestre Cobra-Mansa conhecemos o mestre Josias, né, que também é de Caxias e começamos a treinar com esse mestre em troca de favores. Agente arrumava o espaço, ajeitava o espaço, em troca da aula de graça, porque nós não tínhamos condições de pagar.
F.G: Quanto tempo você fez capoeira com o mestre josias lá em caxias?
Mestre: Uns três, quatro anos.
F.G: Hoje em dia você está fazendo parte de uma fundação. esse teu grupo hoje de capoeira. quem são as pessoas que comandam essa instituição, esse grupo?
Mestre: Essa organização se chama “Fundação Internacional de Capoeira Angola”, aqui no Brasil e ICAF nos Estados Unidos. Quem coordena essa fundação são três cabeças, que com o reconhecimento de várias pessoas, são: Mestre Cobra-Mansa, Mestre Jurandir e Contra-Mestre Valmir em Salvador.
F.G: Quanto tempo jurandir você chegou, demorou a chegar ao seu mestrado, a ganhar o teu reconhecimento como mestre. tempo... o tempo, digo, tempo cronológico mesmo! o tempo físico. quanto tempo você levou nessa luta de capoeira, de praticante, de aluno, de instrutor, de professor, prá chegar a mestre?
Mestre: Na verdade, para eu pegar o meu mestrado foi assim bem natural, vamos dizer, é você que tem que conquistar isso, através do que você faz, do que você está envolvido com a capoeira, né. Eu me considero como mestre de capoeira a partir dos anos 90, que eu comecei a acreditar mais, se mais respeitado pela comunidade da capoeira foi em l990 que eu percebi né, que as pessoas que estavam treinando comigo lá em Belo Horizonte, Minas Gerais, e através do meu trabalho, também com o GCAP, na época, os alunos do GCAP e através desse trabalho que eu fui percebendo que eu fui ganhando essa, vamos dizer, esse espaço, esse reconhecimento dentro dessa comunidade da capoeira Angola.
F.G: Me diz uma coisa então, o seu mestre, mestre Moraes, que foi seu último mestre, inclusive quem te mostrou como capoeirista e como angoleiro de fato, de direito. Ele te considera mestre de capoeira?
Mestre: Não, como você sabe disso, ele tem as questões políticas dele, e eu não quero entrar no mérito porque é meu mestre e eu nunca vou questionar ele por causa disso, pelo respeito que eu tenho a ele, mas eu não me preocupo com isso não. Não preocupo porque hoje eu me preocupo muito mais do que eu faço e do que eu sou. Através dessas pessoas que reconhecem o que eu estou fazendo, dessa comunidade que sabe o que eu estou fazendo.
F.G: Quem é, mestre jurandir, o seu ídolo na capoeira?
Mestre: Mestre Pastinha.
F.G: Esse é seu ídolo?
Mestre: É...( risos )
F.G: Você já fez algum trabalho social com a capoeira? Onde e quando? (vamos ser mais sussinto nas respostas, porque tem perguntas maiores).
Mestre: Tá, eu comecei o trabalho social com a capoeira e já realmente minha vida é envolvida mais com questões de trabalho com a capoeira e geralmente em B.H., Minas Gerais. Eu fiz um trabalho, muito trabalho com crianças de rua. Foi o maior tempo que eu trabalhei com meninos de rua, trabalhei com crianças excepcionais, trabalhei com vários projetos governamentais, né, que hoje até ao contrário, não estou nem querendo fazer muito trabalho com parceria com o governo né, porque eu percebi que hoje a gente faz um trabalho, não vou dizer em vão porque é o que você faz que nunca vai ser esquecido por ninguém tá, como eu faço né, mas você percebe que esse trabalhos não são trabalhos sérios.
F.G: Nesse teu vôo aí pelo mundo, você indicaria qual livro de capoeira, digo, um livro sobre capoeira, sobre a arte que a gente faz, que você indicaria. e um disco ou cd, ou seja, um livro ou disco que todo angoleiro deveria ouvir ou ler?
Mestre: Na verdade eu leio muito, tenho vários livros, de várias pessoas, pesquisadores, antropólogos que estão envolvidos direta ou indiretamente com a capoeira Angola. Mas é como eu falo de novo, como um angoleiro, eu sou suspeito de falar isso, falar sobre o livro, mas eu acho que eu sugiro, na verdade, é o livro do mestre Pastinha, porque hoje tem muito livro e você pega um livro lê o outro e, às vezes, um livro é quase igual ao outro, parece que foi xerocado. E em ralação ao CD, eu sugiro realmente o primeiro disco do mestre Moraes do GCAP.
F.G: Quanto tempo no seu entendimento mestre Jurandir, você acha que precisa para elevar um aluno a mestre?
Mestre: Como eu falei aquela hora, é se você ver o tempo pra essa pessoa ser Mestre é uma coisa muito difícil. Você estar até respondendo essas perguntas, porque é, não adianta as vezes você ter 20 anos de capoeira, mas ela não tem um envolvimento adequado para assumir, porque às vezes tem pessoas que tem 20 anos, mas 20 anos que realmente ela tá jogando capoeira, tá treinando mas ela não tá envolvida.
Tem essa coisa, a pessoa se joga, ela treina mas ela não tá envolvida, então fica dificil, eu posso ter o aluno que esteja dez anos, que ele tá mais envolvido, até mais apto do que o de vinte, vai depender muito então, isso realmente é o mestre que realmente tem que pensar, ele tem que ver é quando esse aluno é, não só o Mestre desse aluno, mas eu acho que a pessoa tem que estar mostrando também através do que ela está fazendo por capoeira, além do envolvimento dela, tem que estar mostrando o que ela está fazendo, porque não adianta também ela tá jogando capoeira, tá treinando e tamblém não tá fazendo nada para capoeira, porque o que está acontecendo é muita gente hoje tá treinando capoeira, até envolvida mas ela não ta dando nada pra capoeira. Então o mais importante é a gente estar contribuindo.
Hoje nós falamos muito sobre isso, que vemos a capoeira com uma fonte, que não podemos só tirar da fonte, pois um dia ela seca. Temos que contribuir de uma forma para essa fonte não secar, fonte esta que é a capoeira.
F.G: O que você acha mestre, de um centro aglutinador de angoleiros, independente de grupo, com esses mestres antigos e contra-mestres mais novos? então? o que você acha disso? um lugar onde nós pudéssemos debater, não debater com tendências ou porque fulano é melhor que outro, e sim fazer um tipo de congresso ou uma reunião para discutir os caminhos e as pretenções da capoeira angola, anualmente?
Mestre: Bem Mano, é... Se você me perguntar o que eu acho, eu vou de cara, acho uma idéia muito legal, é importante estarmos sempre juntos, estarmos discutindo realmente sobre o movimento Angola, trazendo idéias e trocando sempre, isso é muito importante. Mas quando você fala de um centro, a gente vai ter que ver quem vai coordenar isso, são muitos os lados que agente vai ter que ver, mas também penso assim, as coisas bem simples, eu falo porque é muito importante, porque a capoeira só vai sobreviver enquanto nós estivermos reunidos, trocando as idéias e respeitando um ao outro e divulgando a capoeira, se agente estiver só essa idéia, mas a idéia hoje, como você sabe, politicamente ela tá um pouco ainda atravessada em todos os cantos, cada um tá indo pro seu lado.
Então eu acredito que a capoeira Angola ela pode organizar melhor, ela pode tá trazendo e reunindo os Mestres mais antigos, isso vai ser sempre importante agente estar resgatando, é um resgate, eu percebo isso, não só envolve o centro, e sim muita coisa, então a gente tem que pensar nisso.
F.G: O que você acha desse pessoal que tá dando aula hoje de capoeira com pouco tempo de capoeira, com pouca experiencia? Vê-se aí que muita gente, está no brasil e chega em outro país, tá treinando 2 anos com você, 3 anos comigo, 4 anos com cobrinha e aí chega num canto e abre um espaço e começa a dar aula. o que você acha, acha que isso vulgariza a capoeira ou isso fortalece a capoeira?
Mestre: Mano, algum tempo atrás eu ainda criticava, mas hoje eu percebo através de minha experiência que eu tô vendo, não adianta, essa pessoa pode fazer isso, um aluno meu,de repente,ele pode dar aula, mas eu tenho certeza que ele não vai a lugar nenhum
F.G: Entendi... É, no seu entendimento, explique pra gente em poucas palavras o que é o “passo a dois”?
Mestre.: Bom, o “passo a dois”, que já foi feito pelos mestres antigos. O “passo a dois” seria essa coisa da “chamada”.
F.G: A “chamada”de mandinga?
Mestre: É.
F.G: E você pode dizer qual seria a finalidade dentro de um roda do “passo a dois”?
Mestre: Da forma realmente como estou falando, que como alguns mestres, quando conheci esse Mestres antigos né, e já falou do passo a dois, da mandinga, que, é a mesma coisa seria é, não há mais elementos que um movimento é um golpe mesmo até quando eu falo sobre isso com os meus alunos, efetuando uma pessoa faz uma chamada pra mim, por exemplo, é o movimento que eu redobro minha atenção. A chamada não é simplesmente ficar parado esperando alguém não. Realmente eu falo quando uma pessoa me faz uma chamada e ali você pode até mesmo distrair o seu camarada e ali usar os movimentos da capoeira, né. Hoje eu percebo as pessoas que fazem uma chamada, o passo a dois, por exemplo, e ela, não sabe o que está fazendo.
F.G: Por que você redobra sua atenção quando alguém te convida para o passo a dois ou pra chamada de mandinga?
Mestre: Eu redobro porque é como eu falei, quando uma pessoa está jogando com você, você está ali mais atento, né. Você tá ali, você tá em jogo, você tá em movimento com o seu camarada de jogo, mas desde o momento que ele pára e faz uma chamada pra você como eu falei pra você, quando eu paro e faço a chamada, ali já tá tudo planejado: o que eu vou fazer com o meu camarada, como eu tenho certeza que quando a pessoa me chama tenho quase certeza que ela também tá preparada pro bote, o bote tá preparado. Agora tem gente que vai e nem sabe, tem gente que nem sabe porque tem chamada, tem gente que não sabe bem responder ou como, vai reponder.
F.G: Na década de setenta, quando nós começamos a jogar capoeira, só tinha angoleiro (nós, o GCAP, que na verdade surgiu em oitenta mas era o grupo de capoeira angola do mestre Moraes). Nessa época a gente jogava sempre com o pessoal da capoeira Regional porque não tinha outro pra gente jogar, hoje em dia tem muito angoleiro espalhado, tem muito grupo de capoeira angola aí espalhado e a gente tem jogado copoeira muito com angoleiro. A pergunta é a seguinte: será que se agente ficar jogando só com angoleiro, sem jogar com o pessoal da Regional, a gente estaria perdendo um pouco a combatividade e a marcialidade da capeira Angola?
Mestre: Eu vejo, pra mim eu como angoleiro, como eu fui, eu falo, fui capoerista de rua e aprendi a malandragem de rua porque a rua etem aquele respeito né. Aquela coisa de rua que você aprende, você aprende muitas coisas nas rodas de rua e depois né. Eu fui fazer capoeira Angola, realmente porque eu me encontrei dentro da capoeira Angola. Tá, mas eu não vejo problema nenhuma tá jogando capoeira com outro capoerista, Regional ou o que for né, pra mim não importa, eu sou capoerista, eu sou angoleiro, eu sou capoerista, eu jogo capoeira em qualquer lugar, seja ela Regional, seja ela angola, né... eu só..... uma coisa dentro da capoeira Angola que eu sou é .... um pouco, é... um pouco, eu sou um pouco radical na verdade é quando a pessoa tenta treinar as duas, nisso aí eu sou muito radical, quando a pessoa chega pra mim e fala: Ah mestre! Eu quero treinar é angola e regional! Quanto a isso eu sou normalmente radical, uma parte que realmente eu sou, dentro desse processo, é quando uma pessoa fala comigo que tá treinando as duas ou um aluno chega e fala que vai treinar regional. Eu sou radical apenas nisso aí, dentro de uma parte, mas na outra parte de jogar capoeira com Regional ou jogar com outras pessoas, eu não vejo problema porque eu sou angoleiro de espírito né, eu sou capoeirista de espírito, então se eu vou jogar capoeira Regional eu não vou jogar capoeira Regional, ou jogar capoeira Angola né (vai jogar a sua capoeira é lógico).
F.G: Me diz uma coisa, em relação a mulher na capoeira, você acha que ainda existe aquele machismo ou hoje essa coisa meio que está diluída, dissipada. A mulher tem a mesma importância e a mesma presença dentro das rodas de capoeira ou você acha que ainda é uma coisa mais machista?
Mestre: Ô Mano, o machismo tem em todo lugar, (pausa), mas é, eu acho que vem da coisa de cada um né, cada um pensa no machismo, ou não pensa, ele se comporta ou tem uma postura de machismo ou racismo, acho que eu vejo isso de cada um, isso é de cada um. Mas respondendo o que você me falou com a questão da mulher na capoeira, eu percebi como eu sempre falei isso, hoje a gente está fazendo encontros de capoeira Angola de mulheres nos Estados Unidos, agente vem até cobrando isso aqui no Brasil, para as mulheres continuarem esse processo, fazer um encontro Internacional de Mulheres aqui no Brasil, né... mas eu sou, eu sou uma pessoa que começei capoeira realmente naquela época que a gente quase não via e quando tinha mulher na capoeira ela realmente, ela não tinha o apoio que precisava, realmente as pessoas não acreditavam, os homem não acreditam e às vezes não davam o apoio merecido. Mas eu percebo que hoje, a capoeira Angola tomou rumo, tá tomando, tá crescendo e esse crescimento eu percebi que realmente foi com a presença das mulheres tá, a presença das mulheres foi muito importante. Hoje tá sendo muito importante porque a presença da mulher, ela foi tão importante em todos os movimentos de resistência que houve no mundo né. Nós temos aí histórias verídicas, eu falo do Lampião, que tinha Maria Bonita, de Palmares que teve a figura da Dandara, por exemplo né. Então são figuras que lutaram fizeram a mesma coisa ou mais que esses líderes revolucionários e que na verdade essas mulheres nunca foram realmente faladas da forma que deveriam ter falado, nunca foram reconhecidas né, isso aí realmente foi pelo próprio sistema, pelo sistema mesmo recriminatório, sistema machista, do sistema rascista, de sempre estar deixando a mulher por último. Isso aí em todo o lugar né. Mas eu acho que a capoeira Angola está aí né, ta aí, pra gente trabalhar junto e tentar né, buscar esses direitos. A mulher tem direito, mas lógico que tem. Mais você percebe que existe ainda em todo o lugar o machismo e a capoeira Angola está aí aberta pra gente lutar né, lutar juntos, o homem e a mulher, porque como eu falei quando as mulheres vieram pra capoeira, não tinha mulher na capoeira, não tinha como hoje, mas eu percebo que tanto ela fortaleceu, eu percebo que isso aí são duas energias universais, o homem e mulher são duas energias e então essas energias se juntaram agora e fortaleceu a capoeira Angola.
F.G: Na sua opinião, uma roda de capoeira pode ser aberta e ela pode acontecer mesmo se não tiver todos os instrumentos do ritmo? Ela pode acontecer sem estar com os oito instrumentos no ritmo?
Mestre: Ô Mano, vai depender muito da necessidade, como já aconteceu comigo. Eu comecei a dar aula lá nos Estado Unidos, eu comecei com quarenta pessoas, depois ficou uma só e pela minha resistência eu tive que mostrar a minha capacidade, a minha experiência de tá levando, de estar divulgando a capoeira Angola nesse lugar onde eu estava né, não tinha muito capoeirista, hoje já tem um grupo lá, em Seatle, e eu tinha que mostrar então. Aconteceu de eu fazer uma roda de capoeira com um berimbau, mas eu tive que mostrar. Quando você tem pessoas, claro que você tem que fazer com todos os instrumentos, mas se não tem, você está sozinho, não vai fazer? Não vai divulgar a capoeira Angola, por causa disso? Não tem problema não, já joguei capoeira com um CD e um capoeirista mas eu tive que mostrar como vou ficar fazendo um trabalho num lugar que ninguém viu capoeira, você sozinho... como é que vai fazer? Você vai depender do momento do que está acontendo na sua estória, e minha estória foi essa, eu tive que mostrar a capoeira e hoje eu tenho 35 pessoas dentro do grupo lá que hoje já não deixo, tá errado né, os instrumentos. Mas quando tinha eu e mais um, mais dois ou mais três, eu tinha que mostrar a capoeira né. Então eu já fiz capoeira com um berimbau e um pandeiro, depois melhorou ....
F.G: Me diz um coisa, o que você acha sobre a utilização das mãos dentro capoeira angola?
Mestre: As mãos em que sentido?
F.G: As mãos no sentido de você é ... puxar o adversário, tocar nele de uma maneira, um tapa, uma puxada do pé, uma boca-de-calça. você acha que isso é muito desinteressante pra capoeira angola? é uma coisa que não tem nobreza?
Mestre: Ô Mano, não devemos esquecer que a capoeira, ela também é luta, ela é luta, ela tem a sua marcialidade no jogo, tem seus golpes de rasteira, cabeçada, tem boca-de-calça, são movimentos que sempre tiveram na capoeira Angola. Agora, tem aquela coisa, né, tem a agressão e tem a violência né, você pode até usar uma rasteira numa pessoa sem usar a agressão, porque às vezes você pode dar uma cabeçada na pessoa ela vai aceitar, agora, da agressão que você fez, por exemplo, de pegar a pessoa pela cabeça e dar um cabeçada no rosto dela, aí é diferente, entendeu. A própria capoeira Angola, já te dá isso, esse controle de você encaixar a cabeçada, encostar e jogar a pessoa ou dar uma rasteira, não é eu pegar a pessoa pelo cabelo e dá uma cabeçada no rosto dela que eu sei que realmetne eu tô sendo um agressor né. Mas não podemos também perder a característica de luta, que realmente capoeira Angola tem esse potencial. É porque às vezes muita gente ela confunde, esse lado né, o pessoal vê a capoeira Angola como uma dança. Não é isso não, ela tem todo o potencial de luta, sempre teve e sempre terá.
F.G: O que você entende, mestre, por capoeira? O que é para você?
Mestre: Eu não sei porque vocês fazem essa pergunta para nós, porque eu já acho pra mim e fica dificil quando uma pessoa me pergunta isso, porque você mostra né (emocionado). Você está a trinta anos dentro do trabalho, com a capoeira, o que ela é pra você ?!!
F.G: Qual a importância de se trabalhar os fundamentos histõricos e ritmicos nas aulas de capoeira?
Mestre: Se você não ensina os princípios históricos da capoeira, a música, você não tá ensinando a capoeira Angola.
F.G: É o principal, primordial?
Mestre: Claro, tem que saber.
F.G: Eu quero que você saiba o seguinte, que essas perguntas foram elaboradas por toda a Escola de Capoeira Flor-da-Gente. Então, ficou aberto para todos fazerem as perguntas, certo? Então quando alguém pergunta o que é a capoeira, né, pra você, não é na verdade duvidando ou não percebendo a sua potencialidade, não é isso. mas é que tem pessoas mais velhas e mais novas dentro, e querem entender mais um pouco como a pessoa vê a capoeira pra ela?
Mestre: Não!!! Eu sei que isso não é ofensa. Eu sei que quando a pessoa pergunta ela realmente que saber é, o que você o seu sentimento.
F.G: Bom. O que você acha dos mestres de capoeira angola darem workshops dentro das academias de capoeira regional?
Mestre: É... Eu faço isso. Eu também, alguns anos atrás, critiquei esse lado de dar Workshop em academia Regional, mas foi também uma forma da capoeira Angola, eu percebo hoje, foi uma forma da capoeira Angola tá divulgando né, dando oportunidade as pessoas que não conheciam, até isso, ao abrir espaço para as pessoas você está dando oportunidade pra elas, foi o que aconteceu. Na época quase ninguém conhecia capoeira Angola, porque quase ninguém via capoeira Angola e acabava indo jogar capoeira Regional. E você hoje percebe que tem varias pessoas que eram da capoeira Regional na capoeira Angola hoje, por opção própria, não é pessoas de um mês, três meses não, pessoas que eu vejo que tem mais de vinte anos e estão largando a capoeira Regional e vindo pra capoeira Angola né, eu percebo isso, Porquê? Porque percebeu e tá percebendo, não quer dizer que capoeira Angola seja melhor não, mas eu acho que cada um tem sua opção e foi a forma que a pessoa teve portunidade de ver e assistir, e dessa forma é que ela vai entender. Eu percebi que é uma forma da capoeira mesmo estar se divulgando, os mestres indo lá. Agora essa questão do mestre ir lá, o mestre sabe o que ele faz, ele chega e dá uma aula lá e sabe o que tá fazendo. Mas eu acho que, você só aprende capoeira com um mestre de capoeira, não adianta você não aprende capoeira em worshop, você não vai ter contato, vai ter um contato, o mestre né, porque cada um tem sua forma didática, tem sua forma de ensinar. Você pode ver, quantos aí tiveram dificuldades de treinar comigo? Porque eles estão acostumados com seu método e meus alunos com meu método. Então, com isso você aprende capoeira com o mestre porque adaptando aquele método você vai fazendo sequências até passar um, dois, três, quatro anos e você vai aprender aquilo ali, mas não num workshop de um dia é que você vai aprender aquilo ali.
F.G: Então você é favorável mesmo em fazer workshops em academias?
Mestre: Em qualquer lugar. Desde o momento que você está divulgando a capoeira Angola. Agora eu só condeno a pessoa que vai dar o workshop e sem se valorizar. Eu acho que você tem que ir se valorizando.
F.G: Você já utilizou a capoeira em situações reais de briga? Já teve que usar?
Mestre: Já , já, eu corri, corri
F.G: A capoeira angola mudou a sua vida?
Mestre: Mudou, mudou.
F.G: Pra melhor ou pra pior?
Mestre: Foi pra melhor.
F.G: O que caracteriza o capoeirista como angoleiro? Sua história, sua movimentação, o reconhecimento da comunidade? O que caracteriza o angoleiro? Quando você olha numa roda de capoeira e tem um cara que nunca viu, e ele tá se movimentando ali, fazendo a história...
Mestre: Capoeirista se faz através de treino, o Angoleiro é um estado de espírito.
F.G: E você pode ver?
Mestre: Não, você não define angoleiro pelo que ele faz. Não adianta você colocar uma camiseta amarela e dizer: “eu sou angoleiro”, ou você vir um cara de camisa amarela e falar que ele é angoleiro, ou na forma dele cantar ou na forma de tocar, por isso eu falo para você: angoleiro é um estado de espírito.
F.G: O que você acha de graduação, agente não usa a graduação em estágio nenhum, mas o que que você acha? seria interessante ou não para capoeira angola ou não alteraria nada? qual é sua opinião?
Mestre: Graduação como?
F.G: Graduação, graduar mesmo, graduar de alguma maneira. Com um lençinho como Bimba fazia, ou com uma corda.
Mestre: Como um símbolo?
F.G: Sim.
Mestre: Isso não aconteceu na capoeira Angola, pela história dela não aconteceu isso. E essa história de símbolo aconteceu com mestre Bimba né, pelo que eu estou pesquisando da Capoeira, o contato que eu faço com mestres, agente tem que ver que Capoeira vem antes. Eu não acho graça nisso não, acho que não tem nada a ver eu botar uma corda na cintura ou um negócio no pescoço, negócio enrolado pra falar que sou mestre de Capoeira.
F.G: E em relação ao uniforme que agente usa, amarelo e preto, nós que criamos isso na verdade em 1980 né, nós estávamos juntos e resolvemos mudar para o amarelo e preto. Porque o uniforme amarelo e preto e, se é interessente para capoeira Angola o amarelo e preto?
Mestre: Mano, eu até lembro dessa época, dessa história, na verdade a gente estava apenas fazendo só um trabalho, estávamos nos conscientizando um pouco do que era a Capoeira Angola né, e eu me lembro a idéia do Neco do Braga, que agente estava tomando um pedacinho de consciência do que era. Mas até aí a gente não sabia onde ia chegar, onde chegou, e hoje tem aí gente de preto e amarelo em toda parte no mundo né, eu sou angoleiro. O cara mete preto e amarelo, talvez não tem nem a consciência do que é, do que é ser Angoleiro, porque às vezes até treina a capoeira por modismo, fita k7, pelo vídeo. Então ele tá lá num fim de mundo aí e aprende a capoeira por vídeo e ele gosta de capoeira Angola. Mete o preto e amarelo pra ele, eu percebo que hoje isso aí ele acha que isso é uma confirmação para ele. Mas ná epoca nos não pensamos nisso, nós pensamos em uma homenagem ao Mestre Pastinha que o uniforme dele, me lembro falar sobre isso né, eu lembro que a primeira camisa nossa era uma gola V né, e um embleminha pequeno, mas depois ficou uma gola, e hoje tá assim. Eu vejo que a galera tá usando o preto e amarelo mesmo como uma confirmação.
F.G: Mestre jurandir, prá terminar a nossa entrevista e agente continuar tomando esse querosene aí, teria alguma mensagem final que você gostaria de dar pros meus alunos, para os alunos do Flor da Gente? Sobre o que você viu e, sobre o que você conhece, teria uma mensagem para dar a eles? Teria uma dica mesmo de vida, que você é um homem vivido, pra essa galera que tá começando, que tá aí, buscando, que tá desde as duas horas da tarde até agora, porque querem um pouco dela.
Mestre: Duas horas não! Tem mais de quatro horas!
F.G: Não !!!! Desde às duas da tarde!
Mestre: Ah, tá...Uma jornada né Mano. É uma mensagem que eu posso falar, colocar pra essa moçada é que tá aqui no Flor da Gente, que tá começando agora é: primeiro, paciência com vocês mesmos e treinar capoeira, a gente tem que estar treinando, se envolver com a capoeira, mas treinar capoeira não é se envolver com capoeira não! Acho que vocês entendem o que eu estou falando, é também estar dando pra capoeira né. O que você faz pela Capoeira você não está dando pro seu mestre não, você está dando é para capoeira Angola. Então tem gente que confunde, tá treinando com o mestre e vê o mestre comprando um carro novo ou tá com um bom apartamento, o cara acha que tá colaborando pro Mestre. Comprar um apartamento, se o Mestre merece porque ele comprou um carro ou apartamento e daí, é porque ele merece. Eu tô falando isso porque eu já fui em alguns lugares e alguns mestres falam comigo que tem alguns que comentam essas coisas. O que a gente paga para capoeira, a mensalidade, é muito pouco do que você está recebendo, se você perceber, não tem preço. A capoeira não tem preço né, por isso que o que eu faço pela capoeira, os grandes sacrifícios que eu faço para capoeira, sabe, não tem limite, não tem preço, e eu faço por ela, porque hoje eu vejo meus filhos todos treinando a capoeira, minha filha treina capoeira, meus filhos treinam capoeira, hoje minha filha está com dezessete anos, meus filhos, um com quatorze e outro com onze anos, e eu vejo eles envolvidos com a capoeira. Pô, eu vejo isso como uma coisa tão importante na minha vida que você ve, hoje é tão fácil um menino ou menina, de dezessete, dezesseis anos, o jovem hoje cair nas drogas, cair em qualquer lugar. É uma vida, é um espaço que te dá oportunidade, te dá um caminho. Agora, pra isso, a gente tem que esperar o tempo da gente. Você não pode ter a mesma oportunidade agora, hoje a aportunidade que eu tenho, que eu tive. Vai chegar a mesma oportunidade pra vocês, mas tem que ter paciência e “façam” capoeira Angola pela capoeira Angola, porque o que você faz hoje pela capoeira Angola vai servir para amanhã porque existe o retorno, porque o retorno agora pra vocês realmente é um retorno ainda de sentimento do que você sente né, eu tenho certeza. Quem tá aqui hoje é porque gosta é porque está envolvido com a capoeira, isso não quer dizer que vocês vão ficar pro resto da vida na capoeira não, mas eu tenho certeza que hoje nesse momento foi importante pra vocês, foi importante, eu tenho certeza que muita gente perdeu alguma coisa, perdeu um pagode, perdeu estar com a mãe, tá com pai, com a família ou com o namorado. Mas foi bom não só pra vocês, não é por mim, não é porque o Mestre Jurandir está aqui não, eu tô falando o quanto foi bom essa energia que é nós estarmos aqui hoje, é isso que nós temos de retorno agora, esse sentimento é que é dificil você ter essa energia, em outros lugares é muito dificil. Então eu não tenho muito pra dar eu acho que a capoeira mesmo ela já está aí pra gente começar a viver isso, se você está vivendo dentro dela, ela vai te dar isso, você vai ver né, eu não gosto de dar conselho pra ninguém, eu não estou aqui pra dar conselhos.
Eu vejo que a capoeira vai te dar o que você quer, o que você precisa, mas isso aí só vai vir com o tempo mesmo e vocês têm que fazer por onde, foi aquilo que eu falei, se a gente só tirar da fonte ela vai secar né, é valorizar o mestre, valorizar os mestres de capoeira que são as nossas referências né, são eles que tem a realidade da história, por isso eu falo: “vai procurar os mestres”, vai e busca como o mestre João Pequeno, adora quando alguém vai a Bahia, quando vão visita-lo né, indiferente de grupos, e isso é importante, Mestre João Pequeno está com 84 anos de idade você vê que mestre João Pequeno, se você pagar uma passagem de ônibus ele vem aqui, da Bahia aqui, de ônibus.
Portanto tem vários aí que abusam e exploram ele né, pagam uma passagem de ônibus da Bahia pra cá, de ônibus e ainda dá apenas vinte, trinta reais pra ele pra ele ficar dois, três dias em certos eventos. Tem certos eventos que o cara ganha 15 mil reais, por aí você vê né.